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Justiça questiona convenções coletivas

Apesar de os contratos negociados nas convenções coletivas terem, em média, cerca de 500 páginas, o valor do passivo trabalhista provisionado pelos bancos chega a R$ 35 bilhões. A Justiça do Trabalho não tem aceitado determinadas cláusulas mesmo acertadas de maneira legal e de forma bem detalhada entre os sindicatos e as empresas. Razão pela qual o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a examinar, ontem, pela terceira vez, ação de questões trabalhistas para definir se vale o negociado sobre o legislado.

A demanda junto ao STF não era dos bancos, mas do setor de educação. Há questões diversas sendo questionadas na Justiça do Trabalho, mesmo depois da reforma trabalhista, que esperava-se que fosse pacificar esse entendimento. Por exemplo, a hora-deslocamento em transporte fretado pelas empresas para os seus funcionários não seria considerada hora extra, conforme a negociação coletiva, mas a Justiça do Trabalho teria discordado e decidido que é, sim, hora extra e como tal tem que ser paga aos trabalhadores.

Passivo trabalhista dos bancos é de R$ 35 bilhões

Os bancos negociaram pagar mais 55% do salário por uma jornada de oito horas para determinados cargos. A Justiça também não concordou com a extensão da jornada de seis horas por mais duas horas e considerou o aumento de 55% como uma gratificação que não deve ser devolvida. “Se a Justiça não aceita o acordo coletivo e não concorda com o desconto do que foi pago a mais, é um desestímulo à negociação”, comentou uma fonte que acompanha de perto as negociações com os sindicatos dos trabalhadores.

O peso das causas trabalhistas nos resultados operacionais do sistema bancário faz do Brasil um caso único no mundo. Cálculos ainda preliminares feitos por técnicos do setor financeiro indicam que as decisões da Justiça do Trabalho respondem por cerca de 3% a 5% do spread (taxa de risco) que os bancos cobram nas operações de crédito. As ações trabalhistas são ônus dos bancos com rede de agências, que respondem por cerca de 503 mil empregados espalhados por milhares de agências em 4 mil municípios do país. O setor paga em torno de 25% dos mais de R$ 20 bilhões de despesas anuais das empresas com a Justiça trabalhista, o que representa mais de R$ 5 bilhões por ano. Embora esse seja um passivo que afeta toda a economia do país, e não apenas os bancos, ele é o setor que arca com mais gastos porque é também o que tem os melhores salários do país. Segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), os bancários têm uma remuneração média de R$ 7.035 em comparação com os R$ 2.882 de remuneração média no país.

Enquanto reinavam sozinhos na atividade financeira, não havia maiores problemas. O surgimento de novos players no mercado de crédito tornou essa uma questão importante porque não há custo trabalhista relevante nas cooperativas de crédito nem nas fintechs. Lá os salários são menores, porque não são bancários. A Justiça reconheceu os funcionários das cooperativas de crédito e das fintechs como prestadores de serviços. Cada bancário recebe por ano R$ 5.500 a título de participação nos lucros, dentre uma série de outros benefícios. “Na mesma rua você tem empregados de agências, que são bancários, e têm um determinado custo, e na empresa ao lado, que também faz operações de crédito, há funcionários que não são bancários e que custam bem menos”, salienta uma fonte do setor. O salário médio das cooperativas é de R$ 4.032, o que corresponde a 57% do salário médio de um bancário.

Segundo o Relatório de Economia Bancária (REB), as cooperativas participam com 5% do total das operações de crédito. Há grande concentração em duas instituições: o Sicoob (33%) e o Sicredi (39%). Do total das operações de crédito, o Sicoob tem participação de 1,65%, e a Sicredi, de 1,95%. O saldo da carteira de crédito das cooperativas está em torno de R$ 103 bilhões, segundo dados do Banco Central. Sicredi e Sicoob representam aproximadamente 85% desse ativo. Esses são números que colocam as cooperativas ligadas a Sicredi e o Sicoob como o sexto maior banco do país, argumentam fontes ligadas ao sistema bancário. Ambos detêm ativos quase quatro vezes maiores do que os do Banco Safra. O Banco do Brasil é hoje menor do que as fintechs Nubank, XP, Stone e PagSeguro e vem perdendo espaço no crédito rural para as cooperativas.

Em decisão recente o Congresso Nacional aumentou, para os próximos seis meses, a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de 15% para 20% para as cooperativas e de 20% para 25% para os bancos. Esse é mais um capítulo da discussão sobre a assimetria regulatória a que os bancos alegam estar sendo submetidos. Como já disse em coluna anterior, trata-se de um tema complexo e instigante, relativo ao perímetro regulatório do Banco Central. O problema, aqui, porém, é o da Justiça do Trabalho não estar aceitando cláusulas contratuais de acordos coletivos em uma aparente desobediência à decisão do STF que, em 2015, determinou que vale o negociado sobre o legislado, renovando, assim, decisão já tomada em 2005.

Ontem o Supremo começou julgamento de recurso que questiona a interpretação da Justiça do Trabalho sobre a incorporação de cláusulas de convenções coletivas nos contratos individuais de trabalho. O julgamento teve início com a leitura do relatório, pelo ministro Gilmar Mendes, que não chegou a votar. A sessão foi suspensa pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux, que não definiu data para retomar o assunto.

Claudia Safatle é jornalista da equipe de criou o Valor Econômico e escreve às sextas-feiras
E-mail: claudia.safatle@valor.com.br

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