Santa Catarina vira contraste, com vagas no setor da indústria, mas achatamento de salários
Caue Fonseca João Pedro Pitombo José Matheus Santos
PORTO ALEGRE, SALVADOR e RECIFE
“Ganho só o dinheiro dos bicos que faço. Sou servente de pedreiro, carrego mudança, lavo carro. É o que tem.” Assim é a rotina de Josenildo Pereira, 48, após perder o emprego numa padaria, em 2017, no Recife.
Sem trabalho fixo, ele faz o que é possível para pagar as contas e levar comida para casa, onde mora com a esposa e dois filhos. “Vivo num perrengue, sem saber o que tenho amanhã”, diz ele.
O desemprego é um desafio do Brasil e, em especial, nos últimos anos, de Pernambuco, que em 2021 teve o maior índice de desocupação do país —19,3% da população com idade para trabalhar, ou 831 mil pessoas. Em 2022, a cifra recuou para 13,6%, e hoje o estado ocupa a segunda posição nesse ranking.
Outro indicador que reflete o cenário de incerteza é o dos informais, parcela que trabalha, por exemplo, no setor privado sem carteira de trabalho assinada ou por conta própria sem registro de CNPJ.
Segundo dados de agosto do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 52,9% da população ocupada em Pernambuco está na informalidade, o equivalente a 1,9 milhão de pessoas.
Com o estado entre os mais afetados, o problema tem sido abordado com frequência pelos postulantes a governador. Numa ciranda de acusações, oposicionistas como Miguel Coelho (União Brasil), Raquel Lyra (PSDB) e o bolsonarista Anderson Ferreira (PL) centram suas críticas em quem está no poder, ou seja, Paulo Câmara, do PSB, partido que tem Danilo Cabral como candidato e que culpa Jair Bolsonaro (PL) pela crise.
Para o economista Edgard Leonardo, a saída para combater o desemprego está na redução da burocracia e na atração de novas empresas. A chegada de um novo grupo empresarial para comandar o Cais Sul do Estaleiro Atlântico Sul, no litoral pernambucano, após a demissão de 3.400 trabalhadores devido à redução das atividades quase a zero, é uma das apostas para a retomada econômica na área.
“É preciso interiorizar o desenvolvimento, com estradas qualificadas e ferrovias para gerar emprego e renda ao longo de todo o estado. É preciso, também, criar condições para o trabalhador não especializado, na construção civil e no agronegócio”, afirma o professor do Centro Universitário Tiradentes (Unit-PE).
Além dos problemas locais, destaca o economista, fatores históricos, como a desigualdade social acentuada no Nordeste, contribuem para o agravamento do desemprego na região.
O cenário não é diferente na Bahia, que no primeiro trimestre deste ano registrou, segundo o IBGE, taxa de desemprego de 15,5% entre a população economicamente ativa, tornando-se a detentora do maior índice de desocupação do país. O estado também tem uma das maiores taxas de desalentados, com 612 mil pessoas que poderiam trabalhar, mas desistiram de procurar emprego frente às dificuldades no mercado.
Na política estadual, o tema é tratado num jogo de empurra. De um lado, ACM Neto (União Brasil) e João Roma (PL), candidatos da oposição a governador, apontam o governo Rui Costa (PT) como responsável pela falta de novos empreendimentos que gerem postos de trabalho. Já o candidato petista Jerônimo Rodrigues (PT) acusa a gestão federal de Bolsonaro pela queda na atividade econômica do país e mira até a administração municipal de Salvador, cuja taxa de desemprego chega a 19% na região metropolitana.
Um dos principais baques no entorno da capital foi o fechamento da fábrica da Ford em Camaçari, que resultou na perda de cerca de 4.600 empregos. A unidade da montadora teve as atividades encerradas em janeiro de 2021, quando também foram fechadas fábricas em Taubaté (SP) e Horizonte (CE).
Seis anos antes, o fechamento do estaleiro de São Roque do Paraguaçu, em Maragogipe (140 km de Salvador), fez o recôncavo baiano ir do céu ao inferno com a perda de 6.500 empregos. Os governos da Bahia e federal prometem novos negócios para o local da fábrica da Ford e para a região do estaleiro.
Enquanto novos postos não aparecem, avança a cifra de informais. Na Bahia, cerca de 53% dos ocupados trabalham por conta própria ou sem carteira assinada, como André Rosendo, 17, que quebra pedras com o pai para fazer paralelepípedos na zona rural de Coronel João Sá, no norte do estado.
No último ano do ensino médio, ele tinha planos de cursar uma faculdade de medicina e ter um emprego formal. Seus planos imediatos são mais modestos e miram o futebol como alternativa: ele quer se firmar como lateral-direito do time sub-20 do Frei Sergipano para tentar chegar à equipe profissional.
Em contraponto ao cenário que assola diversos estados, Santa Catarina se tornou um oásis de emprego.
Em 2018, enquanto o Brasil apresentava taxa de desocupação de 12,5%, o estado tinha 7,4% de sua força de trabalho desempregada. Os catarinenses também ganhavam 10% a mais que a média nacional —na faixa que leva em conta rendimentos menores, a média local chegava a ser 30% maior que a brasileira.
Santa Catarina fechou 2021 com taxa de desemprego em 6,4%, frente a 13,8% em todo o país. Destaca-se, ainda, o índice de formalização: 79,4% das vagas no estado têm carteira assinada, ante 61,2% no Brasil.
“A diferença é o equilíbrio entre especializações regionais produtivas, permitindo uma oferta de empregos maior”, diz Paulo Bittencourt, economista-chefe da Fiesc (Federação das Indústrias do Estado de SC).
A diversificação, que torna cidades como Chapecó, Criciúma, Blumenau, Jaraguá do Sul e Joinville polos industriais independentes, serviu para proteger a cadeia produtiva estadual de impactos mais fortes provocados pela Covid.
Florianópolis é um bom exemplo: com os setores de turismo e serviços em baixa, a cidade se salvou por ter feito, nos últimos anos, esforços para atrair empresas de inovação e tecnologia.
A partir do segundo trimestre de 2021, a expansão industrial, na esteira da reabertura econômica, deu esperança a trabalhadores como Fabeline Almeida, 26, e Edivaldo Pereira, 31, naturais de Rio Branco (AC).
Incentivado por um dos irmãos de Pereira, o casal pegou os três filhos, entre os quais um bebê de seis meses, e migrou para o Sul em agosto do ano passado. Um ano depois, ambos estão empregados na Huvispan Têxtil, empresa de Blumenau especializada em fios.
“Ele [Pereira] quebrava castanha, eu vendia refresco. Vendemos o que tínhamos, uma moto e um milheiro de tijolos, para vir até aqui. Pedi doações no caminho para pagar o mingau da menina”, conta Fabeline.
Hoje, ela atua no setor de limpeza da Huvispan, seu primeiro emprego com carteira assinada. O marido faz o turno da madrugada como operador de maquinário e toma conta dos filhos enquanto a esposa está no expediente.
A área têxtil, que empregou o casal de acreanos, foi a que mais abriu vagas em Santa Catarina no semestre passado no setor industrial: 7.312 postos, de acordo com a Fiesc.
Dados do Ministério do Trabalho e, de novo, da Fiesc mostram que o estado ofereceu 84,3 mil vagas formais no primeiro semestre de 2022. Quase metade delas (43,3 mil) está no setor de serviços, ainda em franca recuperação pós-pandemia. A construção civil, impulsionada pela expansão imobiliária no litoral norte do estado, teve 13,4 mil novos postos. Já a indústria abriu 23,9 mil vagas.
Para Lauro Maffei, professor do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), a industrialização explica em parte a alta oferta de vagas formais no estado, mas ele observa que a remuneração desses trabalhadores não cresceu na mesma proporção.
“As indústrias e o comércio se organizaram em Santa Catarina de forma a haver pouco espaço para o trabalho informal. Se por um lado o trabalhador está amparado socialmente, por outro há um achatamento da remuneração. Há formas e formas de precarização de trabalho”, afirma Maffei.
De acordo com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), Santa Catarina acumulou 143.150 novos postos formais de trabalho entre junho de 2021 e junho de 2022, mas 88% deles ficam abaixo de dois salários mínimos. Número bem próximo à média nacional, de 90%.
Em junho, por exemplo, Santa Catarina abriu 11.638 postos de trabalho formais com remuneração de até dois salários mínimos. Em compensação, apresentou déficit de oferta de vagas em todas as faixas acima desse patamar, fechando 1.962 postos de trabalho que pagavam acima de dois salários mínimos.