Valor Econômico
Cerca de R$ 180 bilhões são gastos pelas empresas, por ano, com a burocracia tributária. Todo esse volume de dinheiro serve para manter profissionais, sistemas e equipamentos para dar conta dos cálculos de impostos a pagar, preenchimento de guias e acompanhamento das mudanças na legislação. São 53 novas normas fiscais a cada dia útil – 2,21 por hora.
Para estar em dia com as obrigações fiscais no Brasil, hoje, uma empresa precisa seguir o que consta em 4.626 normas – 51.945 artigos, 121.033 parágrafos e 386.993 incisos. Quantidade que, se impressa em formato A4, ocuparia as pistas de ida e de volta da Avenida Paulista, de um extremo ao outro, e ainda sobraria papel. Seriam 6,5 quilômetros.
Esses dados constam em um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) sobre a quantidade de normas editadas no Brasil desde a promulgação da Constituição Federal, que completou 33 anos ontem.
O estudo apresenta informações referentes às normas gerais editadas desde 1988 – foram 6,7 milhões – e um recorte específico sobre a legislação tributária. Somadas as esferas federal, estadual e municipal chega-se a 443.236 regras fiscais. Desse total, no entanto, 6,96%, ou 30.837, estavam em vigor em 30 de setembro. Esse número engloba as normas direcionadas às empresas e também às pessoas físicas.
“É muita ‘gente’ legislando. Nós temos o Executivo, o Legislativo e também os órgãos de fiscalização e controle. Todos os dias são editadas medidas provisórias, leis ordinárias e complementares, portarias, instruções normativas, soluções de consulta, circulares. Há muitas normas sendo revogadas, substituídas ou criadas o tempo todo”, diz João Eloi Olenike, presidente executivo do IBPT.
O contribuinte precisa conhecer essa quantidade de normas, saber interpretá-las corretamente, fazer os cálculos de quanto deve ao governo, declarar e pagar o tributo. Depois de toda essa função, tem que esperar ainda pelos próximos cinco anos para ter a certeza de que fez tudo certo e não corre mais riscos de ser cobrado.
Grandes empresas geralmente têm o apoio da área financeira, internamente, e ainda contam com prestadores de serviços externos: empresas de contabilidade e de consultoria tributária.
Não é exagero dizer que, por causa da complexidade do sistema, algumas tenham até mais contadores e advogados contratados do que profissionais para tocar o próprio negócio. Isso pode acontecer, por exemplo, com aquelas que têm atuação em muitos municípios.
Douglas Campanini, sócio da Athros Auditoria e Consultoria, cita as empresas que atuam no setor de construção civil. “Pode ter quatro ou cinco engenheiros para conduzir as obras no país inteiro, mas, na área fiscal, se tiver trabalho em 100 ou 200 municípios, precisará de profissionais que conheçam as regras de cada um desses locais”, diz.
Existe uma lei federal que regulamenta o ISS, o imposto municipal sobre serviços. Mas cada um dos 5.570 municípios brasileiros tem autonomia para definir a alíquota e fixar obrigações acessórias – o que aumenta a complexidade para as empresas com atuação nacional.
Segundo o estudo do IBPT, os municípios editaram o maior número de normas tributárias desde a Constituição Federal. Foram 260 mil. Depois, aparecem os Estados, com 146 mil regras, e em terceiro a União, com pouco mais de 36 mil.
“A superprodução legislativa gera complexidade e dificuldade de compreensão. Com isso, vêm os custos diretos, para apurar e pagar os tributos, e também os indiretos, de contencioso”, afirma o advogado Breno Vasconcelos, professor e pesquisador no Insper e na FGV.
Ele cita um estudo sobre o acervo de disputas tributárias no país. São mais de R$ 5,4 trilhões envolvidos – o que equivale a 75% do PIB. E essa conta, segundo o Insper, autor do levantamento, está subestimada. Inclui só disputas com origem nas cobranças da Receita Federal. As ações ajuizadas por iniciativa dos contribuintes não estão contabilizadas.
O advogado fala na necessidade de revogar normas antigas quando novas são editadas. Ele cita que nos Estados Unidos isso é regra – trata-se da “executive order” 13771. Para cada novo ato regulatório, dois atos anteriores têm de ser revogados. “É uma política criada para reduzir os custos de conformidade dos contribuintes.”
Por aqui existem, no Congresso, algumas propostas de reforma que preveem simplificar o sistema. O relator de uma delas, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), apresentou parecer ontem e há expectativa de que o texto seja votado ainda neste mês na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
O relatório faz parte da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 110. O senador sugere a criação de um IVA dual. Um deles, seria o IBS, Imposto sobre Bens e Serviços, que unificaria ICMS e ISS. O outro, a CBS, Contribuição sobre Bens e Serviços, que uniria PIS e Cofins. Ambos demandariam regulamentação por leis próprias.
O projeto de lei que cria a CBS já existe. Foi apresentado pelo governo federal no ano passado e está parado na Câmara dos Deputados (PL nº 3887/2020).
O principal temor do mercado é sobre a possibilidade de haver aumento de carga tributária. Os prestadores de serviço que estão no regime do lucro presumido, por exemplo, sairiam de uma alíquota de PIS e Cofins de 3,65% para 12% com a criação da CBS.
Seria a mesma porcentagem que incide na indústria e no comércio. A diferença é que o setor de serviços não conseguiria aproveitar da mesma forma os créditos gerados com insumos, já que o seu principal gasto é com mão de obra, que não está contemplada no projeto.
Há preocupação, ainda, com os gastos que terão de ser suportados pelos contribuintes para se adequar aos novos sistemas. “Estão excluindo tributos e criando outros”, observa Olenike, presidente executivo do IBPT.
Ele chama a atenção para o período de transição do atual modelo para o novo. “As PECs que estão em tramitação falam em cinco e oito anos. Durante esse tempo teremos que conviver com tudo o que temos e mais aquilo que será criado. Haverá aumento de burocracia e de custos.”
Segundo a ROIT, empresa de contabilidade e tecnologia, os gastos serão enormes. A projeção é de que as empresas tenham que desembolsar mais de R$ 500 bilhões com serviços de contabilidade e implantação de novos sistemas. Ou seja, entre 7% e 8% do PIB só de gastos em gestão tributária.