Valor Econômico
Com o trabalho remoto, já definitivo para alguns, lideranças buscam bem-estar e maior qualidade de vida em locais distantes da sede de suas empresas
Por Adriana Fonseca
Entusiasta da vida agitada que São Paulo proporciona, com restaurantes e infinitas possibilidades culturais, Carlos Saavedra se viu angustiado quando perdeu tudo isso confinado em seu apartamento na capital. Começaram a aparecer até problemas no relacionamento com a esposa. “A gente teve um surto. Queríamos sair, mas, no começo, não podíamos nem ir ao parque”, lembra. Ele diz que com os dois trabalhando em casa, as reuniões eram difíceis. “Eu falo alto, a gente se atrapalhava.”
Em um momento de arrefecimento da pandemia, o casal foi convidado para um aniversário em Caraíva, na Bahia. As comemorações durariam uma semana e eles alugaram um espaço. Saavedra não estava de férias, então procurou um local onde pudesse trabalhar remotamente e curtir as festividades após o expediente. “Deu certo, e começamos a pensar na possibilidade de mudar para lá.” O executivo conta que a conexão encontrada nesse pequeno paraíso, com rio e mar perto, foi uma “natureza que chamava muito os dois”.
A mudança se concretizou com uma casa alugada, e agora o casal está construindo a própria moradia. “É uma vida de rosa”, diz Saavedra, com seu sotaque colombiano e um português perfeito, de quem mora há cinco anos no Brasil. “A gente planta e colhe o próprio alimento, tem uma vida mais saudável, em contato permanente com a natureza.”
O dia do casal começa com o nascer do sol, por volta das 5h30. Saavedra parte para uma caminhada, às vezes sobe o rio de barco para meditar. Às 7h os dois se encontram para tomar o café da manhã juntos. “Compartilhamos o início do dia e umas 8h30 cada um começa a sua jornada [de trabalho]”, relata o executivo, que passa praticamente o dia todo em reuniões on-line. “Meu gestor está na Inglaterra, então, logo cedo [por causa do fuso horário] já tenho reuniões ou e-mails a responder.”
A pausa para almoçar é sempre reservada – até uma imposição da Mondelez, onde Saavedra trabalha como gerente de relações com o consumidor para a América Latina. O expediente termina umas 17h, e aí o executivo pratica beach tennis ou vai à vila de barquinho. “Sou fotógrafo amador também, e tenho encontrado espaço para curtir esse hobby com mais frequência do que antes.”
Saavedra relata que, antes da pandemia, não havia se dado conta da importância desse estilo de vida para ele. “A gente gostava da cidade”, diz. “E nunca imaginava essa possibilidade de morar na praia [por causa do trabalho]. Hoje vejo que posso me conectar com coisas que alimentam o meu espírito e o meu ser, além do trabalho, como a fotografia, aprender a plantar, contato com a natureza, que fazem parte de mim como indivíduo. Eu não tinha espaço para conectar com esse tipo de coisa.”
A multinacional onde Saavedra trabalha entendeu a necessidade de funcionários como ele, que optaram por morar fora dos grandes centros. A companhia adotou o modelo híbrido desde março deste ano para os 1.100 funcionários do administrativo. “Nosso modelo é totalmente flexível e damos autonomia para nossos colegas escolherem, junto ao gestor, os dias que irão ao escritório”, diz Betina Corbellini, vice-presidente de recursos humanos na Mondelez Brasil. “Não exigimos a quantidade de dias por semana. Incentivamos que, se confortáveis, possam escolher um dia para colaborar e trabalhar a criatividade em projetos ou encontros que promovam esses momentos em equipe.”
Saavedra está ciente que, eventualmente, terá que ir a São Paulo para uma reunião – e arcando com os custos do deslocamento -, mas isso ainda não aconteceu.
Corbellini acredita que a diversidade obtida com empregados vivendo em diferentes partes do Brasil é positiva para o negócio. “Pessoas de todas as localidades, com vivências diferentes, contribuem muito para o negócio, afinal estamos presentes em mais de 85% dos lares brasileiros e precisamos refletir isso no nosso time.”
Para que o modelo funcione, além de ferramentas e tecnologia, a Mondelez investiu na cultura de autonomia. “Nossos colegas são incentivados a serem protagonistas, simplificar o dia a dia, com metas claras e prioridades bem desenhadas e alinhadas entre todos da companhia”. Os momentos de feedback periódicos, que vão além de avaliações de desempenho e de conversas 1:1 entre equipes e gestores, também são uma recomendação. “É dessa forma que sabemos que esse modelo funciona, pois mesmo estando fisicamente longe, a integração e a cultura protagonista se mantêm.”
Um novo artigo, publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em abril, oferece os primeiros resultados de investigações em 13 países da Europa sobre mudanças na geografia urbana dos mercados imobiliários após a pandemia.
A possibilidade de home office, segundo o relatório, vem incentivando as pessoas a buscarem residências fora dos grandes centros urbanos, com significativos espaços verdes e, ao mesmo tempo, acesso fácil à internet de alta velocidade.
Marcia Muniz, diretora jurídica da Cisco para América Latina e Canadá, aproveitou a facilidade do trabalho remoto para se mudar de São Paulo para Itu – a cerca de 100 quilômetros da capital. Hoje, trabalha com vista para o campo de golfe do condomínio. Ela e o marido venderam o apartamento em São Paulo e compraram um pequeno, bem perto do escritório onde ele trabalha e da Cisco. A ideia é que sirva de ponto de apoio quando precisarem ir a reuniões presenciais. “Fiz a mudança pela qualidade de vida”, diz a executiva, que relata ter aprendido a valorizar o tempo durante a pandemia. “Era automático. Eu morava em São Paulo, a cerca de 12 quilômetros do escritório, e pegava uma hora de trânsito, estava na conta”, lembra. “Com a pandemia ficou evidente quanta coisa para a saúde, bem-estar e convívio familiar eu poderia fazer com aquele tempo.”
A aura mais descontraída do interior e o fato de não ter que colocar salto alto ou se maquiar todo dia para trabalhar também são aspectos que a cativaram. “Percebi como isso traz qualidade de vida, diminui pressão, estresse.”
Hoje, Muniz consegue tomar café da manhã com a família – “dá tempo, sem correria, porque tudo é perto” – e nas “janelas” entre reuniões faz uma caminhada no condomínio ou até vai tomar café na casa de uma amiga. Às sextas, na hora do almoço, vai à manicure – “a sete minutos de casa”. “Hoje consigo me exercitar, fazer uma aula de tênis, e no fim do dia não estou exausta como costumava ficar em São Paulo.” Essa energia extra Muniz diz usar em “alguma vida social, como jantar fora ou ir ao cinema”. “[Sinto] entusiasmo, e não chego na sexta-feira morta.”
A Cisco, onde Muniz trabalha, adotou o home office permanente. Nenhum funcionário precisa voltar ao escritório após a reabertura, e só vai presencialmente se assim desejar. “Não há uma instrução definida sobre o número de dias dentro ou fora do escritório”, explica Nayana Pita, diretora de recursos humanos da Cisco América Latina.
Uma pesquisa interna da companhia, realizada em agosto de 2021, mostrou que menos de um quarto dos funcionários pretendia trabalhar do escritório três ou mais dias da semana quando eles reabrissem. Mais da metade disse preferir trabalhar de 80% a 100% do tempo de casa.
Para Fernanda Araújo, gerente sênior de marketing da Catho, o home office permitiu não somente uma rotina mais equilibrada, com tempo para caminhada matinal à beira mar e calma para levar a filha à escola, mas também uma mudança de carreira. Moradora do Rio de Janeiro, após duas décadas no setor de telecomunicações, Araújo aceitou este ano uma proposta da Catho, que atua com tecnologia e tem escritório em São Paulo – para trabalho totalmente remoto. “Essa história de trabalhar em uma empresa de São Paulo, estando no Rio, me propiciou uma mudança de segmento, ir para um lugar novo, ampliar escopo como profissional, acelerar aprendizado e crescimento”, diz.
O Rio, segundo ela, tem mais limitações de campos de atuação profissional. “Quando entendi que havia essa oportunidade de trabalhar remoto, a quantidade de empresas aumentou, me propiciou buscar em outros segmentos que no Rio não são tão fortes.”
Patricia Suzuki, CHRO da Catho, que tem 650 empregados, diz que com o novo modelo de trabalho, os funcionários precisam comparecer ao escritório apenas em momentos pontuais, assegurando ao menos um encontro presencial por trimestre para reuniões estratégicas. “Esse formato nos ajuda a ampliar ainda mais as nossas contratações, podendo contar com colaboradores de todo o país.” Hoje, a Catho está com 22 vagas abertas para trabalho nesse modelo.
https://valor.globo.com/carreira/noticia/2022/05/19/home-office-estimula-mudanca-de-cidade.ghtml