José Eduardo Gibello Pastore
Consultor na área de relações do trabalho com expertise em Direito do Trabalho e Empresarial.
18 de agosto de 2025
A decisão do STF em 2021 que esterilizou o artigo da Reforma Trabalhista, Lei 13.467/17, prevendo sucumbência recíproca [1] trouxe mudanças significativas jurídicas e econômicas para as empresas brasileiras. A sucumbência recíproca determinava que a parte perdedora de uma ação trabalhista deveria arcar com os custos processuais e honorários da parte vencedora – um mecanismo fundamental para desencorajar ações infundadas.
É importante ressaltar que o mecanismo da reforma trabalhista não dificultava o acesso à justiça, apenas racionalizava o processo do trabalho determinando que quem fizesse pedido infundado teria de pagar os honorários à parte vencedora. Nada mais justo.
Com a eliminação da sucumbência recíproca no final do ano de 2021, criou-se um ambiente de “risco zero” para reclamantes e alguns advogados beneficiários ajuizarem processos com pedidos desvinculados dos direitos reais. Esta mudança desencadeou uma explosão na litigiosidade, catalisando um fenômeno econômico devastador que está silenciosamente corroendo a capacidade produtiva das empresas e do país. E vou demonstrar como isso prejudica os trabalhadores que o STF desejou proteger.
Os dados revelam uma realidade alarmante, que poucos empresários conseguem sequer dimensionar, mas a sentem na pele. Enquanto em 2023 o país registrava 3,519 milhões de ações trabalhistas [2], hoje enfrentamos a marca assustadora de 5 milhões de processos anuais [3]. Este crescimento de 42% em apenas dois anos não é coincidência – é consequência direta da eliminação do risco financeiro para demandantes e da decisão do STF. Quando se aumenta o incentivo econômico para o ingresso de ação e se diminui seu risco jurídico, há consequentemente um aumento das ações trabalhistas, que foi o que aconteceu.
Alguns advogados/reclamantes passaram a incluir pedidos sabidamente infundados nas ações, inflacionando valores para maximizar proveito econômico e honorários sobre eventuais acordos. No lugar de se privilegiar a qualidade dos pedidos – que antes da Reforma Trabalhista eram certos e, na maior parte das vezes, justos –, agora o que se vê novamente é uma quantidade elevada de pedidos desvinculados dos reais direitos devidos.
É importante esclarecer que este artigo não tem o objetivo atacar a advocacia trabalhista, muito menos desmerecer o trabalho profissional e fundamental dos colegas. Apenas levanta uma questão inquietante que será demonstrada por números.
O processo do trabalho sofreu uma metamorfose perversa após a eliminação da sucumbência recíproca. Processos que antes tinham fundamento real, com pedidos lastreados em direitos e que buscavam reparar violações legítimas, foram soterradas por demandas desconectadas da realidade e com pedidos nas iniciais.
Empresas que, antes da reforma trabalhista enfrentavam litígios esporádicos e muitas vezes justificados, agora lidam com avalanches de ações, muitas delas formuladas para maximizar custos de defesa, independentemente da “qualidade e pertinência dos direitos” nelas inseridos e pleiteados.
Esta transformação não afeta apenas grandes corporações. Pequenas e médias empresas, que representam 99% do tecido empresarial brasileiro, enfrentam custos proporcionalmente devastadores de litígios trabalhistas decorrentes deste fato muito mais econômico do que jurídico de todo o processo do trabalho. Estes custos são multidimensionais: custas processuais, honorários advocatícios, perícias, audiências, tempo de preparo de defesa, contratação de advogados, contadores, profissionais de RH para gestão do passivo trabalhista, entre outros.
Enquanto empresários focam nos custos diretos – honorários advocatícios, custas processuais e eventuais condenações –, uma dimensão muito mais significativa permanece invisível aos olhos da sociedade: o custo de oportunidade. Com 5 milhões de ações anuais [3] e custo médio de R$ 17.000 por processo [4], estamos diante de uma sangria de R$ 85 bilhões anuais distante da atividade produtiva para defesa jurídica. É certo que nem tudo decorre da litigância predatória, mas parte sim.
Emerge um paradoxo cruel: o mecanismo da sucumbência recíproca, que foi eliminado para “proteger” trabalhadores e manter, segundo o STF, o suposto livre acesso ao Judiciário, está, na prática, destruindo oportunidades de trabalho. Empresários, ao tomar decisões de contratação, não consideram apenas salários e encargos, mas também os custos esperados de futuros processos trabalhistas – quando conseguem mensurá-los, o que é praticamente impossível, ainda mais advindo de litigância trabalhista predatória. Esta é outra dimensão da insegurança jurídica que vou abordar em outro artigo. A situação atual criou um círculo vicioso destrutivo: quanto maior a insegurança jurídica, menor a propensão empresarial a contratar; Com isso, perpetua-se um sistema que prejudica exatamente aqueles que deveria proteger.
Empresas que destinam recursos crescentes para defesa jurídica, principalmente para aquelas onde os direitos estão afastados da justiça, dispõem de menos capital para investimento em inovação, tecnologia e expansão do emprego.
A magnitude do problema exige que empresários, trabalhadores, juristas e formuladores de políticas públicas reconheçam uma verdade inconveniente: a decisão do STF de esterilizar a sucumbência recíproca para supostamente proteger o princípio constitucional de acesso à Justiça do Trabalho por fim não protegeu o trabalhador, visto que destrói novas oportunidades de trabalho. E sequer promove justiça social; ao contrário, alimenta uma indústria de litígios que beneficia poucos às custas de muitos.
É certo que ações trabalhistas com pedidos certos e justos fazem justiça. Mas ações onde se pedem 10 sabendo que se tem direito a 2 para fazer um acordo de 5, além de representar a consolidação de uma injustiça, afastadas dos reais e justos direitos, provocam custos consideráveis no processo do trabalho, que são suportados pelas empresas. Estes valores poderiam estar sendo alocados na geração de empregos, mas são drenados pela litigância predatória.
A eliminação da sucumbência recíproca não foi uma vitória dos direitos trabalhistas. Foi a criação de um desequilíbrio econômico (incentivo) que está devorando silenciosamente a capacidade das empresas de gerar empregos formais. Reconhecer esta realidade é o primeiro passo para mudá-la.
Fonte:
[1] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF declara inconstitucionalidade de dispositivos da reforma trabalhista. Portal de Notícias do STF, Brasília, 2021. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=475159&ori=1. Acesso em: 17 ago. 2025.
[2] TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Relatório Geral da Justiça do Trabalho 2024. Coordenadoria de Estatística e Pesquisa, Brasília: TST, 2024. Disponível em: https://www.tst.jus.br/en/web/estatistica/jt/relatorio-geral. Acesso em: 17 ago. 2025.
[3] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2024: ano-base 2023. Brasília: CNJ, 2024. Dados consolidados: 5 milhões de ações trabalhistas anuais. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/. Acesso em: 17 ago. 2025.
[4] FELTRIM CORREA ADVOGADOS TRABALHISTAS. Brasil – Campeão Mundial de Processos Trabalhistas. São Paulo, 18 jan. 2023. Disponível em: https://feltrimcorrea.com.br/brasil-campeao-mundial-de-processos-trabalhistas/. Acesso em: 17 ago. 2025.