À medida que o ritmo de vacinação avança e a atividade econômica começa a dar fortes sinais de recuperação, um novo paradigma das relações de trabalho começa a aparecer: é cada vez menos provável que o retorno ao trabalho volte a ser integralmente presencial nas economias desenvolvidas, como já se percebe nos EUA e no Reino Unido.
A experiência que muitas pessoas tiveram trabalhando de casa, de forma remota, tem enorme potencial para moldar as relações de trabalho mesmo após a pandemia. Pesquisa realizada por Taneja, Mizen e Bloom (2021) com 5.000 trabalhadores do Reino Unido mostra alta aderência à modalidade remota: 52% dos entrevistados estavam trabalhando de casa entre janeiro e fevereiro de 2021.
Nos Estados Unidos, 37% dos trabalhadores substituíram o trabalho presencial pelo teletrabalho durante a pandemia, de acordo com dados do US Census Bureau (Household Pulse Survey).
A pesquisa de Taneja e coautores também revelou enorme dispersão de opiniões sobre a forma do retorno —com fração considerável de trabalhadores preferindo tanto o retorno 100% presencial quanto o trabalho 100% remoto—, mas, na média, as respostas indicam preferência pelo retorno presencial apenas em 3 dos 5 dias da semana. Algo como o plano 3-2 que grandes empresas de tecnologia estão adotando: segunda, terça e quinta no escritório e quarta e sexta em casa.
Na balança, a decisão sobre o novo normal do trabalho —presencial e/ou remoto— pondera o trade-off clássico entre as vantagens do trabalho presencial e os também benefícios do trabalho remoto. Se, de um lado, o trabalho face a face é catalisador de interações sociais que estimulam a criatividade e surgimento de novas ideias, de outro, o trabalho de casa sob condições propícias —por exemplo, boa conectividade— pode ser ainda mais produtivo, além de economizar tempo de deslocamento entre a casa e o trabalho.
Alguns estudos estimam que o ganho de produtividade de trabalhar em casa pode alcançar 13% (Bloom et al. 2015), ainda que outros estudos realizados durante a pandemia tenham encontrado redução da produtividade nos EUA (Bartik et al., 2020) e no Japão (Morikawa, 2020), ou até ganhos positivos, porém mais modestos: 2% para o Reino Unido (Taneja, Mizen e Bloom, 2021) e 5% para os EUA (Barrero, Bloom e Davis, 2021).
No Brasil, a oportunidade de o teletrabalho moldar as relações trabalhistas no pós-pandemia esbarrou em diversas dificuldades que envolveram desde o fechamento prolongado das escolas —o que impediu que trabalhadores com filhos pudessem aproveitar as vantagens do trabalho remoto— até gargalos de tecnologia e equipamentos.
Dados da mais recente Pnad Covid mostram que o teletrabalho não se aplicou de forma tão ampla quanto nas economias desenvolvidas: apenas 9,1% das pessoas ocupadas e não afastadas trabalharam de forma remota em novembro de 2020 (7,3 milhões). E, comparado ao mês de maio, primeiro mês da coleta dessa informação, o número de pessoas em teletrabalho caiu tanto em termos absolutos (8,7 milhões) quanto em termos relativos (13,3%).
Entre aqueles que adotaram o home office, os benefícios se concentraram em estrato de trabalhadores com perfil já bastante privilegiado: são, em grande parte, trabalhadores com carteira assinada, escolaridade de nível superior e raça/cor branca.
Essa nova reconfiguração do mercado de trabalho tem implicações importantes para nossas desigualdades. Primeiro, cabe reconhecer que todas as vantagens do teletrabalho se aplicaram justamente aos trabalhadores de maiores salários. Esses trabalhadores terão tanto maiores ganhos de produtividade quanto também um melhor balanço entre suas vidas pessoais e profissionais. Para eles, o teletrabalho é percebido como uma vantagem, equivalente a um aumento de salário.
Mas muitos dos trabalhadores que não se beneficiaram do home office também são aqueles que perderam e não conseguiram recuperar seus empregos durante a pandemia.
Ainda que os dados da mais recente Pnad-C indiquem recuperação do mercado de trabalho, ela se deu menos que proporcionalmente entre os informais e entre os menos escolarizados, e ainda há grande incerteza se muitos dos postos de trabalho no setor de serviço irão retornar após a crise.
Nesse sentido, políticas de emprego, de treinamento e qualificação da mão de obra precisam passar a ser seriamente consideradas se não quisermos aceitar um mercado de trabalho cada vez mais desigual. A recuperação econômica no pós-pandemia não pode deixar tanta gente para trás.
FOLHA DE S. PAULO