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O país que queremos: qual a política ideal para o salário mínimo?

Brasil não tem ampliado valor real do piso, que tem como principais barreiras a indexação de aposentadorias, pensões e benefícios previdenciários e seu consequente impacto fiscal

Por Cássia Almeida — Rio

Desde 2020, não há uma política de valorização do salário mínimo. Ele vem sendo corrigido pela inflação do ano anterior. A indexação das aposentadorias, pensões e benefícios é uma barreira para dar ganhos reais ao piso.

Até 2019, o salário mínimo era reajustado por uma fórmula que combinava inflação do ano anterior e a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Essa regra valeu até aquele ano, e desde então, a correção tem sido feita apenas pela inflação.

O economista Fabio Giambiagi, em sua coluna no GLOBO na última sexta-feira, defende que o piso salarial seja corrigido pelo IPCA-15, que fecha em meados de dezembro, permitindo que a inflação efetiva seja aplicada ao mínimo, sem ganho real.

Atualmente, o governo faz uma estimativa , já que os índices de inflação do ano anterior só são divulgados no início do ano seguinte. Essa medida evitaria acertos deixados para a próxima correção. Os economistas Bráulio Borges, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV ), João Saboia, professor da UFRJ e o sociólogo José Pastore, professor da USP, mostram suas visões.

O país que queremos: Como aumentar o salário do servidor?

Desvincular política da Previdência Social

Bráulio Borges*

O primeiro ponto é lembrar que o salário mínimo é uma variável para regular o mercado de trabalho. Estamos acostumados a pensar o piso para além disso, como o impacto na Previdência Social.

Apesar de polêmico e com chance remotíssima de passar, seria importante desvincular os benefícios assistenciais do salário mínimo, mantendo o poder de compra das aposentadorias e pensões ao longo do tempo.

Poderia ser usado IPCA, INPC ou inflação da terceira idade, da Fundação Getulio Vargas. Introduzir uma política de valorização do salário mínimo traz impactos fiscais muito expressivos. Reajustar vira uma questão fiscal. Mas politicamente é difícil.

O outro ponto é tentar avaliar se o piso é alto ou baixo. Em relação ao salário mediano, o mínimo representa entre 70% e 75%. Considerando nosso mercado de trabalho, capital humano e escolaridade, é relativamente alto.

Nos países da OCDE (organização que reúne as economias desenvolvidas), essa relação é em torno de 50%. Quando começou a política de valorização do mínimo, ainda nos anos 1990, essa relação não era tão alta.

Olhando o ponto de partida, o mínimo não deveria crescer muito acima do salário mediano daqui em diante. O Brasil tem mercado de trabalho dual, uma parte está empregada com carteira assinada e há uma grande massa de informais, conta própria, empreendedor por necessidade.

Se aumenta muito o salário mínimo, acaba expulsando parte dos empregados do mercado formal, indo para informalidade, para ser pejotinha, MEI, Simples. São contratos que não existiam antes, mas que protegem menos que a carteira assinada. Pode ser contraproducente e só aumentar a informalidade.

No Brasil, contratar alguém com carteira assinada custa duas, duas vezes e meia a folha. É um tributo, não é contribuição previdenciária. Se resolvermos a incidência da carga tributária, que é de fato muito elevada, a fórmula de reajuste poderia ser a inflação mais a produtividade do trabalho, medido pelo PIB sobre as horas trabalhadas.

*Bráulio borges é economista, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da LCA Consultores

Produtividade para valorizar o piso

João Saboia*

A proposta de Giambiagi é boa, ao usar um índice que já determine a inflação efetiva. Tenho dúvidas se o IPCA (que acompanha variação de uma cesta de famílias que ganham até 30 salários mínimos) é o ideal, já que o INPC (até cinco salários) reflete melhor a cesta dessa camada da população que recebe o piso.

Mas se a economia cresce, a produtividade cresce, é saudável, justo e razoável que esse ganho seja repassado ao mínimo, associando à variação do PIB per capita. Na regra antiga, usávamos o crescimento do PIB, que não é uma medida de produtividade.

Repassar o crescimento do PIB seria muito generoso. O uso do PIB per capita vai ter menos impacto nas contas públicas. Mas o controle fiscal não me parece uma preocupação do governo, que mudou o teto de gastos (regra que trava as despesas) para poder distribuir R$ 41 bilhões com medidas eleitoreiras. Agora, aumentar a base salarial, melhorar a situação dos aposentados estouram as contas públicas.

Valorizar o mínimo também não teria efeito negativo no mercado de trabalho, de diminuir a geração de vagas com carteira. Na verdade, o grosso dos empregos formais está na faixa de um a 1,5 salário. De qualquer maneira, ninguém está defendendo aumento de 50% em termos reais. Aumentar 1% a 2% pode ser perfeitamente absorvido pela economia.

A inflação acelerando é outro complicador. Em 2020, o índice foi de pouco mais de 4%, mas no fim do ano seguinte já estava em 10%. Isso faz o poder de compra do salário mínimo cair muito. Tem que compensar um pouco essa perda ao longo do ano.

Ninguém está apostando em grandes quedas da inflação, mesmo com as medidas do governo (redução do ICMS dos combustíveis, energia, telecomunicações).

É uma situação que não se compara à da década passada, depois da crise de 2015 e 2016, quando a inflação estava em 3%, 4%. Agora está há dez meses acima de 10%.

*João Saboia é economista e professor emérito do Instituto de Economia da UFRJ

Ganho real: Desejável, mas possível não é

José Pastore*

O mais adequado seria ter um salário mínimo que cobrisse melhor as necessidades básicas, principalmente, com valor mais alto, como está na Constituição. O país, entre o desejado e o possível na prática, tem seguido o caminho do possível, diante das restrições com os gastos da Previdência Social (maior despesa do Orçamento da União: 64% das aposentadorias e pensões são de um salário mínimo)

É um quadro triste para os trabalhadores. Remuneração deveria respeitar as necessidades das pessoas, infelizmente, na nossa situação econômica, tão dependente do salário mínimo como indexador, não há espaço.

A ideia que já foi defendida de desindexar os benefícios da Previdência pode até atender aos trabalhadores da ativa com a indexação inflacionária, mas vamos deixar de lado aposentados e pensionista com a remuneração congelada?

É um dilema dificílimo. Cria problema político e social, deixando essa massa grande de aposentados e pensionistas sem horizonte de correção. Deixaria o custo em cima dos mais velhos, dos idosos, que não têm condições laborativas. Dar aumento real é importante, desejável, mas possível não é.

A situação ficou ainda pior com a disparada da inflação que tem um impacto muito sério para quem ganha o mínimo. Não foram feitas as reformas necessárias para ganhar espaço fiscal e permitir uma valorização do mínimo.

Quando o presidente Michel Temer aprovou o teto de gastos (regra que impede que as despesas públicas cresçam acima da inflação), a medida teria que vir acompanhada de todas as reformas, administrativa, tributária, previdenciária, trabalhista.

Só fizemos a trabalhista e a previdenciária. Logo, logo, vamos ter que refazer a previdenciária diante da mudança demográfica, com uma parcela maior de idosos na população. Desde 2016, nada andou da tributária nem da administrativa.

*José Pastore é sociólogo e professor da Fundação Instituto de Administração da USP

https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2022/07/o-pais-que-queremos-qual-a-politica-ideal-para-o-salario-minimo.ghtml

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