Nas últimas semanas alguns temas têm surgido no debate sobre possíveis mudanças no sistema tributário brasileiro. Por um lado, a discussão sobre a reforma da tributação de bens e serviços foi “fatiada”, com o governo priorizando mudanças nos tributos federais (PIS e Cofins), em detrimento de uma reforma mais ampla, incluindo impostos estaduais (ICMS) e municipais (ISS). Por outro lado, há sinalizações (ainda não confirmadas) de que o governo pretende promover mudanças no Imposto de Renda, por meio do aumento do limite de isenção do imposto das pessoas físicas (IRPF) e de alterações no imposto das pessoas jurídicas (IRPJ), via redução da alíquota incidente na empresa e introdução da tributação na distribuição de dividendos.
Será que essas mudanças são boas?
Para responder a essa pergunta, é preciso conhecer as características de um bom sistema tributário: a) gerar o mínimo possível de distorções que prejudiquem o crescimento; b) ser o mais justo possível, tributando mais os que têm maior capacidade contributiva; c) ser eficiente na arrecadação, deixando o mínimo possível de brechas para a evasão. Por fim, é preciso considerar que, para fins de política pública (com fins distributivos ou outros), a tributação é apenas um instrumento, que deve ser comparado a outros instrumentos que podem ser mais eficientes (por exemplo, programas de transferência de renda).
Ou seja, a avaliação de mudanças na tributação pressupõe uma avaliação de custo e benefício não apenas das próprias mudanças, mas também de alternativas de políticas públicas que permitam alcançar o mesmo objetivo. À luz desses critérios, é possível avaliar as mudanças propostas pelo governo.
No que diz respeito às mudanças nos tributos sobre bens e serviços, a avaliação é clara. Os benefícios para o crescimento de uma reforma tributária ampla (relegada pelo governo) são muito superiores aos de um mero ajuste dos tributos federais. E o custo político não é tão maior, dado que ambas as propostas enfrentam resistências setoriais semelhantes, enquanto boa parte das resistências federativas a uma reforma ampla já foram superadas. Para agravar, a aprovação de uma mudança restrita aos tributos federais pode dificultar a reforma ampla, seja por consumir o capital político disponível, seja por não contemplar uma transição, o que pode gerar uma percepção negativa de seus impactos setoriais.
Já no que diz respeito ao IRPF, o ponto central é a definição de prioridades. A título de exemplo, elevar em R$ 600 o limite de isenção (de R$ 1,9 mil para R$ 2,5 mil) e as demais faixas do IRPF custa cerca de R$ 30 bilhões por ano. Há espaço fiscal para essa mudança? Se há, não seria melhor alocá-lo de outra forma? Essa é uma questão relevante, especialmente se considerarmos que a parcela mais pobre da população – que não paga IRPF – é a que mais foi afetada pelo desemprego gerado pela pandemia.
Por fim, com relação às mudanças aventadas para o IRPJ, embora a diretriz de reduzir a tributação na empresa (tornando o Brasil mais atrativo para investimentos) e tributar a distribuição (corrigindo distorções distributivas) seja correta, o desenho adotado faz muita diferença. Por um lado, se forem adotadas as alíquotas aventadas pela imprensa (redução de cinco pontos porcentuais da alíquota incidente na empresa e introdução de uma alíquota de 15% ou 20% na distribuição) provavelmente não haverá um impacto positivo sobre o investimento. Por outro lado, se não houver mudanças nos atuais regimes simplificados de tributação (lucro presumido e Simples), a mera introdução da tributação na distribuição de lucros estimulará os donos das empresas a contabilizar despesas pessoais como despesas da empresa, eliminando boa parte do impacto distributivo positivo da medida.
Boa política tributária não se constrói com palavras de ordem, mas sim com uma análise criteriosa dos custos e benefícios das medidas adotadas, bem como de suas alternativas.
*DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL
O ESTADO DE S. PAULO