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Recuperação global ajuda Brasil, mas falta impulso, dizem economistas da FGV

Com uma retomada ainda desigual, após o baque causado pela covid-19 em 2020, o crescimento econômico mais forte do que o inicialmente esperado no início deste ano não se traduz em bem-estar da população, com mais empregos e aumento da renda, o que leva incerteza à recuperação, na avaliação de economistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). A conjuntura, debatida em seminário online nesta quinta-feira, 10, terá implicações nas eleições presidenciais de 2022, disseram os especialistas.

No mundo todo, as projeções de crescimento estão sendo revistas para cima, na esteira do avanço da vacinação e do afrouxamento das medidas de isolamento social. No Brasil, os dados do primeiro trimestre foram, mês a mês, desfazendo as expectativas de que a economia poderia começar 2021 em retração, como projetavam muitos economistas na virada do ano, por causa da piora na pandemia.

Após a divulgação do Produto Interno Bruto (PIB, o valor de tudo o que é produzido na economia em determinado período) do primeiro trimestre, na semana passada, o Ibre/FGV revisou sua estimativa de crescimento neste ano para 4,6%, ante 4,2% em maio.

O crescimento mais robusto do que o esperado no País, de 1,2%, foi puxado por atividades voltadas para as exportações, como agropecuária e mineração, e por um movimento de recomposição de estoques. O menor isolamento social – seja porque as regras de restrição foram mais brandas seja porque foram menos seguidas pela população – não pesou tanto, já que o consumo das famílias ficou praticamente estagnado.

Segundo a coordenadora do Boletim Macro do Ibre, Silvia Matos, a desigualdade ainda é uma marca na retomada da economia global neste segundo ano de pandemia. Essas desigualdades estão em vários níveis: alguns países avançam mais do que outros, uns setores ganham e outros perdem e os trabalhadores menos qualificados, quase sempre em trabalhos que exigem contato social, são mais atingidos do que os mais qualificados, que têm mais chances de trabalhar remotamente.

“O crescimento mundial é liderado por países desenvolvidos e a China. Sabemos que a melhor política econômica (para recuperar as economias) é a vacinação, e o mundo desenvolvido está na frente nisso”, afirmou Silvia Matos, durante o II Seminário de Análise Conjuntural do Ibre/FGV, organizado, totalmente online, em parceria com o Estadão.

Brasil ganha com valorização de commodities
Mesmo ficando para trás na vacinação contra a covid-19, a economia brasileira já está se beneficiando de um cenário externo mais positivo. O Brasil e outros países da América Latina, tradicionais produtores de commodities, vêm ganhando com a valorização das cotações dessas matérias-primas.

De acordo com a pesquisadora, essa valorização se explica justamente pela heterogeneidade da retomada na economia global. Com as famílias do mundo todo passando mais tempo em casa e com restrições ao consumo de serviços, que naturalmente exigem mais contato pessoal, cresceu a demanda por bens industriais e alimentos, já que os consumidores passaram a gastar uma parcela maior de seus orçamentos com esses itens. Essa demanda foi ainda impulsionada por medidas de estímulo adotadas por diversos países. A demanda em alta puxou para cima os preços das matérias-primas.

Também participante do seminário, José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV, acha que o cenário externo favorável tende a se manter assim “por algum tempo”. Mesmo o temor de uma inflação mais elevada, principal efeito colateral da rápida recuperação da demanda, pode ser temporário, especialmente nos países desenvolvidos. Isso porque, ilustrou Senna, a inflação implícita nas taxas de juros dos títulos da dívida americana – que reflete quanto os investidores esperam de inflação, ao fazer seus investimentos nesses papéis – mostram trajetória de queda anos à frente.

Conforme Senna, esse quadro sugere a manutenção de uma “incrível quantidade” de coisas boas que têm acontecido no mercado, como a calmaria nas discussões políticas sobre gastos acima do teto de despesas fiscais, o alívio nas cotações do dólar, a redução nos “spreads” de juros e a queda no risco dos emergentes. “Isso traz uma falsa sensação de segurança, ideia de que o cenário econômico é bom. Não tem nada de bom, os desafios são grandes”, afirmou Senna, referindo-se às expectativas de crescimento econômico para além de 2022 e os efeitos sobre emprego e renda.

Silvia Matos concordou. Para ela, o grande desafio da retomada da economia é justamente o caráter heterogêneo da recuperação, com destaque para as desigualdades do mercado de trabalho. O debate sobre emprego e renda, e as políticas sociais para lidar com isso, estará no foco daqui por diante, segundo a pesquisadora. E aí aumentam as pressões por mais gastos públicos, em meio a um quadro de desequilíbrio das contas, o que poderá realimentar a crise fiscal.

“A recuperação do emprego só volta para informais e poucos qualificados quando serviços normalizar”, afirmou Matos, completando que os números agregados do Produto Interno Bruto (PIB, valor de tudo o que a economia produz em determinado período) mascaram a real situação econômica das famílias. “(O crescimento) Foi melhor, mas nem tanto”, disse.

Para Armando Castelar, coordenador da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV, que também participou do seminário, a questão da pobreza e da renda será central também nas eleições gerais de 2022. Isso porque, se a vacinação contra covid-19 avançar até o fim deste ano, como se espera, a discussão sobre a pandemia poderá ficar “no retrovisor”.

“A questão da pobreza e da renda será central nas eleições. E o governo poderá vir com tudo em política social”, afirmou Castelar. Para o pesquisador, o fato de o presidente Jair Bolsonaro disputar a reeleição marcará o comportamento da política econômica no ano que vem. “A política econômica do ano que vem será a da eleição”, completou o pesquisador.

O ESTADO DE S. PAULO

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