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STF modula decisão em matéria de terceirização: há corte rescisório?

Por Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes

O Supremo Tribunal Federal, na sessão virtual encerrada no último dia 1º/7/2022, deu provimento aos embargos declaratórios opostos no RE 958.252, a fim de modular os efeitos do julgamento que enfrentou a controvertida polêmica em torno da terceirização [1]. O leading case [2] abordou a licitude da contratação de mão-de-obra terceirizada, para fins de prestação de serviços correlacionados com a atividade-fim, levando em conta o disposto na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho [3].

Por maioria de votos, a tese fixada pela Suprema Corte, ao apreciar o Tema 725 da Repercussão Geral, foi a seguinte: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

Com o advento desta nova decisão aclaratória, em razão dos efeitos agora aplicados na modulação feita pelo E. STF, somente os processos que estavam em curso na data de conclusão daquele julgamento, qual seja, no dia 30/8/2018, é que serão afetados pelos efeitos jurídicos desta tese jurídica. Frise-se, por oportuno, que os ministros que ficaram vencidos garantiam o ajuizamento de ações rescisórias, excetuadas as sentenças já executadas e pagas, que tivessem por fundamento tanto a ADPF 324, quanto o RE 958.252.

Na prática, resta obstado o ajuizamento de ações rescisórias contra decisões transitadas em julgado antes da data de conclusão do julgamento pelo E. STF (30/8/2018) e que tenham a Súmula 331 do TST por fundamento.

Entrementes, impende destacar que a tese fixada na ADPF 324 [4] igualmente caminhou no sentido pela licitude da terceirização, ainda que essa fosse ligada diretamente com a atividade-fim, sem que tal fato configurasse a relação de emprego. Na ocasião, também houve a oposição de embargos declaratórios, contudo, esses foram inadmitidos. Em seu voto, o ministro relator salientou a ausência de legitimidade do amicus curiae para a interposição de recursos, o que compreendia naturalmente os aclaratórios que, como é sabido, constituem uma das espécies recursais em nosso ordenamento jurídico.

Doravante, contudo, se verifica uma dicotomia entre as decisões da Suprema Corte que tratam sobre a mesma temática da terceirização. Por um lado, no RE 958.252 foram atribuídos efeitos moduladores à decisão, na qual inclusive, impossibilita o ajuizamento de ação rescisória; lado outro, na ADPF 324 ficou assentado que a decisão “não afeta automaticamente os processos em relação aos quais tenha havido coisa julgada”.

Entrementes, é forçoso evidenciar que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal têm refletido nos vereditos dos temas discutidos no âmbito da Justiça Laboral, em especial no Tribunal Superior do Trabalho. Nessa perspectiva, a Corte Superior Trabalhista definiu, no início deste ano, tese jurídica igualmente vinculativa em relação à definição da espécie e dos efeitos do litisconsórcio passivo nos casos de lide acerca da terceirização de serviços.

Em observância ao julgamento de incidente de recurso repetitivo (Tema 18), nas situações envolvendo a empresa tomadora e prestadora de serviços, o Pleno do TST decidiu que o litisconsórcio deverá ser necessário e unitário [5]. Vale dizer, o tomador e o prestador de serviços devem responder juntos nas situações em que se discute o reconhecimento do vínculo de emprego resultante de fraude na terceirização. Eis o resumo da decisão:

“1) Nos casos de lides decorrentes da alegação de fraude, sob o fundamento de ilicitude da terceirização de atividade-fim, o litisconsórcio passivo é necessário e unitário. Necessário, porque é manifesto o interesse jurídico da empresa de terceirização em compor essas lides e defender seus interesses e posições, entre os quais a validade dos contratos de prestação de serviços terceirizados e, por conseguinte, dos próprios contratos de trabalho celebrados; Unitário, pois o juiz terá que resolver a lide de maneira uniforme para ambas as empresas, pois incindíveis, para efeito de análise de sua validade jurídica, os vínculos materiais constituídos entre os atores da relação triangular de terceirização. 2) A renúncia à pretensão formulada na ação não depende de anuência da parte contrária e pode ser requerida a qualquer tempo e grau de jurisdição; cumpre apenas ao magistrado averiguar se o advogado signatário da renúncia possui poderes para tanto e se o objeto envolve direitos disponíveis. Assim, é plenamente possível o pedido de homologação, ressalvando-se, porém, ao magistrado o exame da situação concreta, quando necessário preservar, por isonomia e segurança jurídica, os efeitos das decisões vinculantes (CF, art. 102, § 2º; art. 10, § 3º, da Lei 9.882/99) e obrigatórias (CPC, art. 927, I a V) proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário, afastando-se manobras processuais lesivas ao postulado da boa-fé processual (CPC, art. 80, I, V e VI). 2.1) Depois da homologação, parte autora não poderá deduzir pretensão contra quaisquer das empresas — prestadora-contratada e tomadora-contratante — com suporte na ilicitude da terceirização da atividade-fim (causa de pedir). 2.2) O ato homologatório, uma vez praticado, acarreta a extinção do processo e, por ficção legal, resolve o mérito da causa (artigo 487, III, ‘c’, do CPC), produz coisa julgada material, atinge a relação jurídica que deu origem ao processo, somente é passível de desconstituição por ação rescisória (CPC, arts. 525, § 15, 535, § 8º, e 966) ou ainda pela via da impugnação à execução (CPC, art. 525, §12) ou dos embargos à execução (CPC, art. 535, § 5º) e acarretará a perda do interesse jurídico no exame do recurso pendente de julgamento. 3) Em sede de mudança de entendimento desta Corte, por força da unitariedade imposta pela decisão do STF (‘superação abrupta’), a ausência de prejuízo decorrente da falta de sucumbência cede espaço para a impossibilidade de reconhecimento da ilicitude da terceirização. Sendo assim, como litisconsorte necessário, a empresa prestadora que, apesar de figurar no polo passivo, não sofreu condenação, possui interesse em recorrer da decisão que reconheceu o vínculo de emprego entre a parte autora e a empresa tomadora dos serviços. 4) Diante da existência de litisconsórcio necessário e unitário, a decisão obrigatoriamente produzirá idênticos efeitos para as empresas prestadora e tomadora dos serviços no plano do direito material. Logo, a decisão em sede de juízo de retratação, mesmo quando apenas uma das rés interpôs o recurso extraordinário, alcançará os litisconsortes de maneira idêntica.” Vencidos parcialmente os ministros Cláudio Mascarenhas Brandão, relator, Breno Medeiros, Alberto Bastos Balazeiro, Augusto César Leite de Carvalho, Lelio Bentes Corrêa, Mauricio Godinho Delgado, José Roberto Freire Pimenta, Hugo Carlos Scheuermann e Alexandre de Souza Agra Belmonte e as ministras Maria Helena Mallmann e Delaíde Alves Miranda Arantes. (TST-IncJulgRREmbRep-1000-71.2012.5.06.0018, Tribunal Pleno, red. p/ acórdão ministro Douglas Alencar Rodrigues, 22/2/2022).

Aliás, a temática da terceirização de serviços sempre foi objeto de grandes discussões e, desde 2017, tal assunto vem suportando modificações.

Do ponto de vista normativo, a Lei 6.019/1974, que dispõe sobre o trabalho temporário, foi modificada pelas Leis 13.467/2017 [6] e 13.429/2017 [7], alterando profundamente a dimensão da terceirização de serviços.

Antes, porém, da promulgação de tais normas legislativas, o Tribunal Superior do Trabalho, através do enunciado da Súmula 331, disciplinava a questão da terceirização, de forma que o entendimento contido no verbete sumular era adotado pelos demais Tribunais Regionais Trabalhistas.

Todavia, a partir dos julgamentos proferidos pela Suprema Corte sobre o tema, o assunto ganhou novos contornos interpretativos, conforme se infere dos ensinamentos do procurador do Trabalho, Henrique Correa [8]:

“Com a decisão proferida pelo STF, o futuro se tornou incerto aos empregados contratados diretamente pelas empresas. Muitos contratos poderão ser extintos em razão da substituição da contratação direta pelo uso da terceirização. Dessa forma a quantidade de empregados terceirizados deve aumentar consideravelmente nos próximos anos.

(…). Com a autorização expressa da terceirização nas atividades-fim, agora ratificada pelo STF, permitiu-se expressamente a contratação de empregados terceirizados em todas as funções da empresa. Essas modificações poderão ocasionar a perda de empregos em empresas que desejarem contratar terceirizadas ao invés da contratação direta, bilateral, clássica. Esse modelo ocasiona a precarização das relações de trabalho, pois, para se assegurar lucro às duas empresas (empresa de prestação de serviços a terceiros e contratante) será necessário reduzir os salários dos trabalhadores”.

Registre-se que de acordo com o ranking de assuntos mais recorrentes no Tribunal Superior do Trabalho até maio de 2022, o tema terceirização/ente público aparece na 5ª posição, ao passo que os casos envolvendo tomador de serviços/terceirização se encontra na 19ª posição [9].

E, mais, uma importante pesquisa concluiu que os trabalhadores terceirizados, além de disporem de um salário menor, desempenham maiores jornadas de trabalho, assim como possuem menor estabilidade no emprego [10], em contramão aos ditames da Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, que proíbe a discriminação no emprego e ocupação [11].

Outrossim, reforça-se que a legislação brasileira traz requisitos indispensáveis e obrigatórios para que a terceirização possa ser considerada lícita e regular, pois, caso contrário, poderá ser declarada a sua nulidade nos termos do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho [12].

Em arremate, se é verdade que não se deve retirar a eficácia e a validade de contratos civis de prestação de serviços, celebrados de forma válida e legítima, de igual modo, uma vez constatada qualquer irregularidade com o objetivo de mascar e/ou fraudar direitos trabalhistas, deverá este instrumento ser considerado inválido.

[1] Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4952236. Acesso em 10/7/2022.

[2] Disponível em https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/tema.asp?num=725. Acesso em 10/7/2022.

[3] Súmula nº 331 do TST- CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) — Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31/5/2011 I — A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 3/1/1974). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

[4] Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4620584. Acesso em 10/7/2022.

[5] Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=1000&digitoTst=71&anoTst=2012&orgaoTst=5&tribunalTst=06&varaTst=0018&submit=Consultar. Acesso em 10/7/2022.

[6] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em 10/7/2022.

[7] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13429.htm. Acesso em 10/7/2022.

[8] Curso de Direito do Trabalho, 6ª edição. rev. atualizada e ampliada. 2021. Editora Juspodivm. página 491 e 492.

[9] Disponível em https://www.tst.jus.br/web/estatistica/tst/assuntos-mais-recorrentes. Acesso em 10/7/2022.

[10] Disponível em https://valorinveste.globo.com/objetivo/empreenda-se/noticia/2020/02/03/trabalhadores-terceirizados-ganham-menos-e-se-sentem-descartaveis-aponta-pesquisa.ghtml. Acesso em 10/7/2022.

[11] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235325/lang–pt/index.htm. Acesso em 11/7/2022.

[12] Art. 9º – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

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