Valor Econômico –
Em meio ao avanço da variante ômicron da covid-19 e da ausência de uma retomada expressiva da demanda interna, o ano de 2022 começou com sinais de alerta em uma série de indicadores que medem o humor e a percepção de atividade do empresariado brasileiro.
Ontem, a Fundação Getulio Vargas (FGV) anunciou retração de 2,5 pontos no Índice de Confiança Empresarial (ICE) de janeiro, para 91,6 pontos. Terceira queda consecutiva no indicador – que abrange indústria, serviços, comércio e construção -, o recuo levou o índice ao pior resultado desde abril de 2021 (89,6 pontos). A própria FGV tinha apontado, no começo da semana, a manutenção em patamar elevado no Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) de janeiro, sinalizando poucas chances de ele voltar a patamar anterior ao da pandemia.
Mas a fundação não foi a única a veicular manifestações negativas no setor empresarial neste começo de ano. Também ontem, a consultoria IHS Markit informou que o Índice Gerente de Compras (PMI, na sigla em inglês) do setor industrial brasileiro caiu de 49,8 em dezembro para 47,8 em janeiro, indicando deterioração mais acentuada nas condições operacionais.
Ao falar sobre o humor negativo do empresariado no começo do ano, apurado pelo ICE, Aloisio Campelo, economista da FGV, comentou que a chegada da ômicron ao país foi um fator negativo a mais na mesa do empresariado, que estava preocupado com economia. Desde o fim de 2021, o contexto macroeconômico é desfavorável ao consumo interno, com renda em baixa e juros e inflação altos. Ao mesmo tempo, os industriais tiveram que lidar com alta de custos e gargalos no fornecimento de matérias-primas, problemas que não desapareceram no começo de 2022, notou Campelo.
Esses fatores, aliados ao aumento de casos de covid-19 pela nova variante, derrubaram o humor dos empresários em janeiro, resumiu o pesquisador.
“Vemos um começo de ano já bastante ruim. Quando a gente olha o conjunto de informações das confianças de janeiro, foram todas ruins”, destacou Felipe Tâmega, chefe de pesquisa da Absolute Investimentos, em evento do Credit Suisse ontem.
A Absolute tinha uma visão mais pessimista para o PIB brasileiro neste ano, com projeção de queda de 0,5%. “A dinâmica do crescimento já no fim do ano passado dava sinais de fraqueza em diversos indicadores e acho que isso tende a perdurar um pouco mais”, disse Tâmega, citando também as perspectivas menos positivas para algumas culturas agrícolas.
Sobre a queda no setor industrial, a IHS Markit citou, além da nova onda de covid-19, pressões elevadas nos preços e poder de compra limitado como fatores que levaram ao recuo. Em relatório sobre o indicador, o diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, também cita esses fatores e alerta que houve deterioração no ambiente de negócios do setor industrial.
Ramos aponta que, além de custos subindo – por gargalos na oferta de insumos, frete ainda limitado e dólar em alta, o que encarece a matéria-prima importada -, o empresário teve que lidar com outro problema: o afastamento de funcionários por contágio de covid-19. Segundo o economista, os industriais depositam esperanças no arrefecimento do impacto da ômicron, na evolução da pandemia e em alguma melhora na demanda.
Mas esse cenário ruim pesou nos indicadores de confiança. No da FGV, tanto problemas econômicos, desde o fim do ano passado, quanto sanitários, no começo deste ano, conduziram à perda acumulada de 10,9 pontos no ICE, entre setembro de 2021 e janeiro de 2022. “Esse movimento de queda [no ICE] começou pela indústria e, aos poucos, atingiu todos segmentos”, afirmou Campello.
Ao falar sobre o futuro, o pesquisador não descartou a possibilidade de que, com a melhora da pandemia, o ICE possa voltar a subir – não necessariamente ao 100 pontos, o que significa um quadrante favorável. Para ele, o cenário da economia ainda desafiador impede essa retomada, no curto e médio prazos.
A também economista da FGV Anna Carolina Gouvêa acrescenta que ainda há muitas dúvidas rondando o front econômico. Ela ressalta que o indicador de incerteza da fundação ficou em 122,1 pontos em janeiro, apenas 0,2 ponto abaixo do de dezembro e ainda distante do patamar pré-pandemia (115 pontos).
“Acho difícil voltar agora [ao nível pré-covid]”, diz ela. A pesquisadora nota que, além do atual contexto macroeconômico desafiador, o ano de 2022 será de eleições, que costumam ser de turbulências na política, afetando a condução da política econômica.
Segundo Tâmega, da Absolute, a previsão de queda de 0,5% para o PIB do Brasil em 2022 é “daí para pior”. “Se, de fato, tiver toda essa incerteza com relação ao político/fiscal, como é natural imaginar, certamente a assimetria toda do crescimento é ainda mais para baixo”, afirmou.
Outro aspecto a ser considerado é o fato de que, pelo lado da demanda, o consumo parece se apoiar na renda de trabalho informal, que oferece uma sustentabilidade mais incerta. Na segunda-feira, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) anunciou alta de 1,1% na Intenção de Consumo das Famílias (ICF) em janeiro, para 76,2 pontos, o mais elevado desde maio de 2020 (81,7 pontos). A economista da CNC Catarina Carneiro Silva disse que o ICF pode voltar a subir, mas admitiu que a manutenção da inflação em alta, atualmente, é um obstáculo para o poder aquisitivo do brasileiro.