É extremamente preocupante o movimento do comando da Câmara para levar a votação dos dois projetos de reforma tributária diretamente ao plenário da Casa, sem passar por comissões.
Mesmo que fatiada, a reforma não pode prescindir de um debate prévio para que todos os parlamentares e diversos atores da sociedade possam maturar as propostas. O que se pretende é fazer um grupo de trabalho com poucos parlamentares.
É uma temeridade, considerando a complexidade que é mudar a direção do leme desse transatlântico do sistema tributário nacional em meio a sinais de mudança dos ventos nessa área no cenário internacional.
Na semana passada, o G-7, grupo das principais economias do mundo, concordou em apoiar novas regras para tributar empresas multinacionais com um imposto de pelo menos 15%. A proposta é considerada um passo decisivo em direção a um acordo global que entregaria a taxa mínima proposta por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos.
O governo ainda não se pronunciou sobre a posição do Brasil em relação ao acordo, o que só deve acontecer na próxima reunião do G-20. Até o momento, essa discussão, porém, passa ao largo da reforma tributária.
Se as mudanças da reforma brasileira forem feitas no atropelo e derem errado, não é algo que se possa reverter com facilidade. O transatlântico já se mexeu. Quem for beneficiado ou conseguir manter os privilégios, de certo não vai querer fazer os ajustes.
Dessa vez, os governistas não vão poder dizer que a proposta pode ir ao plenário porque já houve debates em audiências públicas da comissão mista de reforma tributária, cujas PECs para uma reforma ampla foram descartadas por eles mesmos.
Dois projetos estão hoje na agenda da Câmara para a reforma mínima acordada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, com o ministro da Economia, Paulo Guedes: a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que muda o PIS e Cofins, tributos sobre o consumo; e uma mudança do Imposto de Renda das empresas e pessoas físicas e “talvez” no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Empresários, que acompanham nos detalhes as negociações da reforma e têm interlocução com parlamentares do alto clero do Congresso, demonstram desconforto com a demora de apresentação do texto das propostas.
Os detalhes que são conhecidos até agora vêm de declarações esparsas do ministro ou de informações de bastidores à imprensa de Brasília.
O projeto da CBS está no Congresso, mas o próprio ministro Paulo Guedes adiantou que o texto será alterado com a fixação de duas alíquotas, uma de 12% para a indústria e outra menor para comércio e serviços, setores mais intensivos em mão de obra e que têm custo maior com as contribuições sobre salários. Já houve reação.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) chiou e disse que, dessa forma, a CBS é inaceitável. Há propostas rondando entre parlamentares até mesmo para manter alguns setores no sistema cumulativo (o tributo que é pago em uma operação não é abatido na operação seguinte e incide em cascata), justamente o que se quer evitar com um tributo nos moldes do Imposto de Valor Agregado (IVA) proposta pela CBS. Mudar para quê?
No IRPF, já se sabe que são poucas as chances de mudanças nas deduções e isenções, um caminho que definitivamente deveria ser perseguido para tornar o sistema mais justo e dar uma resposta inicial à demanda da sociedade para que a reforma olhe o social e maior distribuição de renda.
Lira cobrou esta semana as propostas do ministro, mas na prática segurou o seu avanço para uma definição da reforma administrativa, proposta com resistências na base governista.
Aliado de Lira, o presidente da Frente Parlamentar da Reforma Tributária no Congresso Nacional, Luís Miranda (DEM-DF), cotado para a relatoria da CBS, em entrevista ao Estadão/Broadcast, avisou que a reforma do Imposto de Renda só deve ser enviada pelo governo após a aprovação da administrativa.
O pessoal que quer a reforma tributária primeiro e rápida viu a notícia e não gostou. O que se falou nos bastidores é que o projeto da CBS “desandou”, porque a janela de aprovação de medidas mais polêmicas, como as reformas, vai no máximo até setembro.
Por trás desse vaivém de quem vai primeiro (tributária ou administrativa), estão mesmo as negociações para as eleições de 2022 (garantia de verbas) e as indicações das relatorias dos projetos da reforma tributária e outras matérias, como o cobiçado Orçamento do ano que vem. É certo também que a melhora fiscal, com o aumento da arrecadação, tirou a pressa de muitos.
Como não dá certo misturar assunto que mexe com arrecadação e eleição, o mais prudente é fazer um debate aberto das propostas, e não à sombra de negociações paralelas para aprovação de outras matérias de interesse do presidente Jair Bolsonaro, como o projeto para a introdução da impressão do voto nas urnas eletrônicas nas eleições de 2022. O que temos visto é que, na maioria das vezes, o preço desses acordos vai estourar no Orçamento. O objetivo, portanto, é não ter debate aberto.
Mas todo cuidado é pouco. Se a manobra do transatlântico tributário não for bem-feita, o navio afunda com riscos para a arrecadação do governo no futuro.
ADRIANA FERNANDES
*É REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA
O ESTADO DE S. PAULO