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Muito estudo para pouco emprego

Cresce ocupação de vagas de menor exigência por trabalhadores com formação universitária

Por Marsílea Gombata — De São Paulo

Augusto Barros, de 40 anos, se formou em editoração na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos centros de ensino superior de maior prestígio do país. Mas nos últimos anos perdeu ânimo com sua profissão e viu o mercado editorial encolher. Decidiu partir para outra estratégia. “Com o tempo as vagas foram escasseando e fui vendo outras possibilidades de ter meu sustento”, conta. Hoje trabalha em um call center de uma distribuidora de energia, onde está há duas semanas e recebe um salário-mínimo por mês. Sua trajetória não é exceção.

Barros faz parte do grupo de 4,9 milhões dos chamados “overeducated”, pessoas com formação universitária que ocupam postos de trabalho que exigem nível menor de formação. Esse fenômeno se acelerou no Brasil pós-pandemia, marcado por uma retomada parcial do mercado de trabalho.

Nos dois últimos trimestres, a fatia daqueles que completaram a faculdade e trabalham em vagas que não demandam nível superior aumentou em 478,9 mil, atingindo a marca de 4,9 milhões de trabalhadores, segundo levantamento da consultoria IDados com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad C). Antes da pandemia, no primeiro trimestre de 2020, esse grupo passava dos 4,3 milhões.

Em termos percentuais, as pessoas com ensino superior que estão em cargos que exigem ensino médio ou menos vinham se mantendo em 22% em relação ao total da população ocupada. Mas acelerou para 23% no quarto trimestre de 2021 e para 24% no primeiro trimestre deste ano.

Segundo Ana Tereza Santos, economista da IDados, há duas razões principais por trás desse cenário. A primeira é que as pessoas com ensino superior foram as últimas a voltar para o mercado de trabalho desde a pandemia, pois tiveram de esperar o aquecimento da economia, e não encontram postos compatíveis com sua formação. A segunda é uma oferta de pessoas com diploma universitário acima da demanda, uma vez que o mercado não está criando tantas vagas de ensino superior.

“A pandemia acelerou um fenômeno que ocorre há um tempo no Brasil e que tem a ver com uma conjuntura de crescimento econômico abaixo do esperado”, afirma.

Ela argumenta que desde 2010 o Brasil passou a formar muitas pessoas com ensino superior, a maior parte da última década foi de crise econômica, o que dificultou a oferta de vagas suficientes para essas pessoas. “A oferta de ensino superior foi pensada para um Brasil mantendo nível de crescimento positivo, o que não se manteve nos últimos anos. No pós-pandemia, inclusive, o que vimos foi a recuperação de vagas de menor instrução.”

Ana afirma que esse aumento dos sobre-educados nos últimos trimestres vem sendo puxado por trabalhadores mais jovens, que têm o diploma, mas não conseguem atuar na área que escolheram. Como Mel Brito, de 35 anos. Formada em jornalismo pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) em 2018, ela trabalha hoje como vendedora de uma loja de sapatos autorais na Vila Madalena, Zona Oeste de São Paulo.

“Durante a graduação, trabalhava em loja de roupa de shopping para pagar a minha faculdade, cuja mensalidade era de R$ 1.200 na época. Meu plano era trabalhar com isso até concluir a faculdade”, conta Mel, que nasceu em Esplanada, interior da Bahia, mas se mudou para São Paulo com a ideia de ser jornalista. “Quando terminei o curso, não tinha muita experiência e não encontrei emprego na minha área. Meio que fui empurrada, não foi uma escolha.”

Na época da faculdade, ela trabalhou como vendedora de lojas de roupa feminina em shopping e recebia R$ 3 mil por mês. Hoje ganha entre R$ 4,5 mil e R$ 7 mil.

Além de trabalhar como vendedora na Vila Madalena, Mel cursa pedagogia a distância na Anhembi Morumbi, cuja mensalidade custa pouco mais de R$ 200. “Penso futuramente em trabalhar na alfabetização de jovens e adultos, e acredito que terei mais chances de fazer isso com pedagogia”, afirma.

O aumento dos sobre-educados na economia é um mal sinal, pois é um indicativo de ineficiência de mão de obra, afirma Ana. “Investiu-se um valor alto na formação que não se consegue recuperar porque as pessoas recebem baixos salários. O que elas dão de retorno para a economia é muito menor [do que poderiam]”, diz.

“Isso gera uma produtividade muito mais baixa do que deveria ser, como se o potencial existente não fosse aproveitado. Indica um cenário de estagnação. No momento em que poderíamos ter crescimento de qualidade com mão de obra qualificada, não se conseguimos aproveitar isso”, argumenta a economista.

Em alguns casos, estar fora da área da formação parece ser uma opção mais fácil. Álvaro Pires Camargo, de 45 anos, se formou em Direito pela Universidade Paulista (Unip), mas é vendedor no comércio de luxo no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo.

Ele começou a trabalhar no varejo para pagar a faculdade e acabou ficando. Depois de 13 anos na loja de roupa masculina Richards, passou por grifes como Noir Le Lis Blanc, 284 Tranchesi, Crawford e Armani. “Eu adoro trabalhar com o público. O varejo é fascinante, mas tem um limite de idade. [Por isso], ainda pretendo prestar o exame da Ordem dos Advogados do brasil (OAB) e ir para a área trabalhista”, conta Camargo, que em um mês fraco ganha R$ 7 mil.

Opção semelhante tomou Karina Vagliante, de 31 anos. Formada em engenharia ambiental no fim de 2015 pela Faculdade Oswaldo Cruz, passou por cozinha de restaurante e montou um bar com o ex-namorado. Quando a relação terminou, se desfez do negócio e voltou para a casa dos pais. “Comecei a mandar mensagem para algumas marcas que gosto e ver se curtia trabalhar nisso. Foi meio um desespero para tentar conseguir um emprego, não ficar parada e ocupar a cabeça”, lembra. Hoje trabalha em uma marca de bolsa e botas em Pinheiros, onde cuida da loja física e do e-commerce.

“Meu salário médio é de R$ 6 mil. Sei que tenho currículo e capacidade para ganhar mais, mas tenho uma vida agradável e confortável”, diz. “Estou fazendo MBA de gestão de e-commerce, e no futuro pretendo trabalhar com isso.”

Segundo Janaína Feijó, economista do Instituto de Economia Brasileiro da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), “overeducation” ocorre quando há um descompasso entre o nível educacional alcançado pelo indivíduo e o nível de educação exigido para o cargo que ocupa e acontece tanto em países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos. No Brasil, diz, três fatores podem ajudar a explicar o aumento dos sobre-educados nos últimos trimestres.

“Um é a economia atual, que tende a gerar postos de trabalho de baixo valor agregado, levando muitos com curso superior a prestar concurso para nível médio. Outro são mudanças no mercado de trabalho. Indivíduos escolhem a faculdade sem ter ideia das tendências e, quando se formam, se deparam com falta de vagas para sua profissão”, afirma. “Um terceiro ponto é a qualidade do ensino desses indivíduos. Embora tenham feito universidade, não conseguem se colocar em postos que requerem esse grau de instrução porque a qualidade do ensino que tiveram não é boa.”

Esse ciclo, segundo Janaína, gera um efeito adverso na produtividade da economia. “Como estão em postos aquém de sua capacidade, ficam mais desmotivados e resistem mais em se qualificar”, diz. “Acabam entendendo que não vale a pena mais se especializar, já que conseguem postos que não remuneram tanto.” Ela afirma que esse fenômeno é mais forte na área de humanas. As ciências exatas, especialmente em setores relacionados a tecnologia, costumam estar mais voltadas para tendências futuras e conseguem se adaptar melhor a demandas atuais, argumenta.

Para Ana, da IDados, a única maneira de reverter esse cenário de mais pessoas que cursaram universidade em cargos que não demandam ensino superior é com crescimento sustentado da economia.

“Depende bastante da conjuntura. Se houver um cenário de crescimento econômico no futuro, é possível que o Brasil volte a gerar mais vagas que exigem ensino superior”, argumenta. “Somente crescendo e voltando a investir em setores que empregam mão de obra qualificada é que se conseguirá mudar isso. A expansão do setor de serviços nesse retorno da pandemia não incentiva muito a contratação de trabalhadores mais instruídos. É preciso gerar emprego de qualidade.”

As perspectivas, contudo, não parecem animadoras. O Indicador Antecedente de Emprego (IAEmp) da FGV caiu 0,8 ponto em julho ante junho, para 81,1 pontos, a pior queda desde fevereiro (-1,4 ponto). Incertezas quanto ao último trimestre deste ano e o início do ano que vem têm elevado a cautela do empresário quanto a novas contratações.

O Banco Central, em seu Relatório Focus, prevê crescimento de 1,9% neste ano e de 0,40% em 2023. O FGV Ibre prevê alta de 1,7% no PIB deste ano e contração de 0,3% no ano que vem.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/08/08/muito-estudo-para-pouco-emprego.ghtml

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