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Se Uber deixar Brasil, posso chamar os Correios para assumir serviço, diz ministro do Trabalho, Luiz Marinho

As prioridades de sua gestão estão divididas em três pilares: valorização do salário mínimo, regulação do trabalho por aplicativos e a revisão de pontos da reforma trabalhista
Por Guilherme Pimenta, Matheus Schuch e Fernando Exman — Brasília

Há pouco mais de um mês no cargo, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, garante não estar preocupado com a desaceleração na criação de postos de trabalho, apontada no último Caged. As prioridades de sua gestão estão divididas em três pilares: valorização do salário mínimo, regulação do trabalho por aplicativos e a revisão de pontos da reforma trabalhista.

Em entrevista exclusiva ao Valor, Marinho revelou que não descarta manter o saque-aniversário do FGTS, mas defende mudanças nas regras da modalidade. Em relação às plataformas de aplicativo, disse que um grupo de trabalho vai definir qual será o melhor modelo de regulamentação para o trabalho. A seguir os principais pontos da entrevista:

Valor: Como estão acompanhando a crise na Americanas e o seu impacto para os trabalhadores?

Luiz Marinho: Estamos organizando, conversando com o Ministério Público do Trabalho. Pode ser que tenha que falar com o administrador judicial, ver o diagnóstico. Economia e Receita também têm que ver o que está acontecendo. Há um cheiro grande de fraude que pode não estar restrito à Lojas Americanas. Se for o modus operandi do trio de ferro ali, pode contaminar outras grandes empresas. O sistema financeiro, a Ambev, vai saber o que estes moços estão aprontando e se tem ou não uma cumplicidade das auditorias. A Price recomendou recentemente que ações das Americanas estavam entre as ações mais seguras, então não pode ser um errinho. Tem cheiro de conluio. Cheiro. Quem sou eu para acusar? Os responsáveis têm de investigar. [Procurada, a PwC informou por meio de nota que “não atua no setor de análise de investimentos”. Já a Ambev informou que não existe “rombo” algum nas demonstrações financeiras da companhia e que a empresa calculou os créditos tributários com base na legislação, devidamente apontadas nas nossas demonstrações financeiras. A Americanas não comentou até a conclusão desta edição.]

Valor: O que o ministério pode fazer de concreto? Haverá grupo de trabalho do governo também?

Marinho: Ninguém deseja que uma empresa desse tamanho vá a falência. A possibilidade de uma recuperação judicial tem que ser olhada com muito carinho e, acima de tudo, não criar um ambiente hostil para se fragilizar ainda mais e quebrar. Tem que ser olhado o grupo econômico. Uma coisa é Lojas Americanas, que é apenas um elo do grupo. Tem consistência para administrar e salvar? Isso tem que ser olhado também. Depois a gente vai ver se é o caso de constituir o grupo [de trabalho]. Mas não será um grupo para asfixiar a Lojas Americanas, é para olhar com carinho para manter os empregos.

Valor: Como o sr. disse, o caso pode ter impacto no mercado de trabalho. Os números de dezembro também não foram bons. Qual a perspectiva para os quatro anos do novo governo Lula?

Marinho: Os números de dezembro não me assustam em nada porque costumeiramente caem. Em 2022 foi quase o dobro de 2021, mas isso é sazonal. O que enxergamos são oportunidades de retomada. Há uma diretriz do presidente Lula de retomar o conjunto de obras o mais rápido possível. Isso é geração de emprego na veia lá na ponta. Tenho esperança de que o mercado de trabalho reaja, sem contar as várias ações que devemos tomar, os diagnósticos que vamos fazer com as federações.

Valor: O governo estuda algum projeto para diminuir o custo de contratação?

Marinho: Só tem uma coisa que estimula contratação: economia funcionando. Não tem milagre se não tem consumo. O que aconteceu com esta neurose do governo anterior com a Carteira Verde e Amarela, o trabalho intermitente, é fragilizar o mercado de trabalho e achatar a massa salarial. Você tem a mesma quantidade de gente trabalhando, com salário menor e capacidade de consumo menor. Isso leva à diminuição da geração de emprego.

Valor: O senhor já tem um diagnóstico do que precisa ser mudado na legislação trabalhista?

Marinho: Nós desejamos, no primeiro semestre, ter alguma coisa, mas tem que montar um grupo. Não vai ter canetaço do governo. Temos o desafio de entregar salário mínimo, alternativa em relação aos trabalhadores de aplicativos e da legislação trabalhista e sindical. Não temos a preocupação de ter o código de trabalho inteiro.

Valor: Mas quais são os pontos que o grupo deve se debruçar?

Marinho: O trabalho intermitente é um dos detalhes a serem olhados com cuidado. Vamos conversar. Se eu vejo algo que tenha necessidade de mexer e o empresariado vier aqui e demonstrar consistência do que está acontecendo, não tem por que rever. A ideia é estimular a construção. Se os dois lados construírem, evita demandas na Justiça.

Valor: Sobre a regulamentação do trabalho por aplicativos, já há um ponto de partida?

Marinho: As empresas estão dispostas a discutir. Na Espanha, no processo de regulação, o Uber e mais alguém disseram que iam sair. Esta rebeldia durou 72 horas. Era uma chantagem. Me falaram: “E se o Uber sair?”. Problema do Uber. Não estou preocupado.

Procurada, a Uber esclareceu que não ameaçou sair da Espanha. “A empresa que deixou o país após a regulação foi a Deliveroo, o que fez cerca de 4.000 entregadores espanhóis perderem acesso à geração de renda. Durante a discussão regulatória naquele país, a Uber divulgou estimativas sobre o impacto das medidas e apontou a contrariedade dos próprios entregadores com a regulamentação, que levou à migração forçada de muitos profissionais para o modelo de operadores logísticos (sem cadastro direto nos aplicativos) e reduziu o número de pessoas trabalhando na atividade. A Uber continua suas operações na Espanha e tem apresentado ao governo os problemas identificados na implementação da regulação.”

Valor: A saída de uma empresa como Uber, por exemplo, não criaria um problema para a economia?

Marinho: Cria outro [aplicativo]. Posso chamar os Correios, que é uma empresa de logística e dizer para criar um aplicativo e substituir. Aplicativo se tem aos montes no mercado. Não queremos regular lá no mínimo detalhe. Ninguém gosta de correr muito risco, especialmente os capitalistas brasileiros. Mas qual a regulação para proteção do trabalho e das pessoas?

Valor: As empresas do setor argumentam que aceitam discutir o assunto, mas ponderam que as regras trabalhistas atuais não atendem nem aos desejos dos próprios trabalhadores. Além disso, eles prestam serviço para várias companhias ao mesmo tempo e com jornadas diferenciadas. A ideia é incluir os trabalhadores no INSS?

Marinho: Claro.

Valor: E na CLT?

Marinho: Aí há dúvidas se você enquadra 100% CLT. Você pode ter relações que caibam na CLT ou que se enquadrem, por exemplo, no cooperativismo. Aliás, o cooperativismo pode se livrar do iFood, do Uber. Porque aí nasce alguma coisa que pode ser mais vantajosa, especialmente para os trabalhadores.

Valor: Uma das dificuldades, segundo as empresas de aplicativo, é que a categoria é heterogênea, com vários pontos de vista…

Marinho: Por isso tem que ter regulação do Estado. “Ah, é muito disperso, então deixa que eu exploro.” Não. Tem que regular.

Valor: O MEI é uma alternativa?

Marinho: O dono de um carrinho de pipoca pode ser empreendedor, mas, se um cara tem dez carrinhos, ele não pode colocar nove empreendedores. Eles viraram funcionários dele. Agora, o entregador de pizza pode ser MEI? Tenho dúvidas.

Valor: O arcabouço dos aplicativos será encaminhado junto com revisões da reforma trabalhista?

Marinho: Não. Conforme ficar pronto, vai tocando. Não vamos amarrar uma coisa na outra porque só atrasa.

Valor: O senhor pretende reforçar a equipe de fiscalização?

Marinho: Sim, essa é a ideia. Observar desvio de função que existe na força de trabalho e voltar a atuar como se deve.

Valor: O debate da igualdade salarial entre homens e mulheres já começou?

Marinho: Me apresentaram um esboço, não gostei muito e falei com a ministra [das Mulheres, Cida Gonçalves]. Precisamos olhar com muito carinho. A ideia é oferecer um texto que dê conta para chamar atenção dos agentes privados e públicos.

Valor: Existe alguma sinalização já das áreas fiscais de que será possível ampliar o salário mínimo?

Marinho: Há dois aspectos no salário mínimo. O principal é a política de valorização. Se [estivesse ainda valendo] a política que estabelecemos em 2005, que coordenei pelo governo, hoje o mínimo valeria R$ 1.396. Isso é mais importante do que o tamanho do reajuste de 2023. O que estamos analisando é se haverá mudanças em 2023. Se houver espaço fiscal, sim.

Valor: Será a mesma política de valorização do passado?

Marinho: Vai depender do acordo com as centrais. Pode ser retomado esse formato [do primeiro governo Lula] olhando a avaliação do tempo. A cada quatro anos você pode fazer uma avaliação do comportamento da economia e do salário. Tudo é ambiente de negociação, avaliação e monitoramento. Eu teria segurança de retomar na forma que era.

Valor: A PEC da Transição criou uma falsa expectativa de que já teria um mínimo de R$ 1.320?

Marinho: [O ministro da Fazenda, Fernando] Haddad tem uma preocupação que eu corroboro: não podemos criar nada fora do estado fiscal para provocar um desajuste na economia, que seria trágico. O crescimento econômico precisa ser consistente e seguro. Criou-se uma lógica de projeção para R$ 1.320, mas nesse momento não se enxergou o tamanho do impacto da eliminação da fila de espera da Previdência.

Valor: Saque-aniversário do FGTS acaba mesmo em março?

Marinho: Não. É preciso entender o que eu digo. Essa modalidade enfraqueceu o fundo. Bancos fazem propaganda disso, mas, quando o trabalhador saca, se ele é demitido, não pode sacar o saldo. Tem banco que criou carteira para dez anos. Isso é razoável? É um absurdo. Nós vamos corrigir primeiro a não permissão de sacar o fundo, e é isso que os bancos entram em polvorosa, por causa dos contratos já fechados. Eu não fui consultado deste contrato. Dez anos de carteira? Sete anos? Vamos olhar também as taxas praticadas. É impressionante como o sistema financeiro acha jeito de tirar dinheiro de todo mundo. Vamos dialogar sobre a possibilidade de acabar, sim. Mas, se o trabalhador fez contrato, ele precisa ser honrado.

Valor: Quais outras mudanças?

Marinho: É um absurdo não poder sacar o saldo total, mesmo devendo para o banco. Podemos permitir a negociação com o banco, com deságio, no pagamento à vista, já que vou sacar. Para que pagar juro ao banco com meu dinheiro? Vamos analisar se a gente acaba, estou refletindo sobre isso. Se permanecer, será com outras regras totalmente diferentes, mas não estou convencido ainda. Não podemos fazer o trabalhador de escravo.

Valor: No início o sr. tinha a convicção de que o saque tinha de acabar. O sr. não descarta que ele siga?

Marinho: Não descarto que acabe, podendo até ser mantido. Vamos decidir, não tem canetada. Eu acho um erro, mas estou aberto a refletir. Certamente mudanças haverá.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/02/06/marinho-elege-minimo-aplicativos-e-reforma-trabalhista-como-prioridades.ghtml

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