JOSÉ PASTORE — Professor da Universidade de São Paulo e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP. É membro da Academia Paulista de Letras
É difícil saber qual será o estilo de governança do PT no mandato Lula III. Se repetir o passado, o futuro é preocupante. O PT nasceu em 1980 de uma mescla de ideias do sindicalismo, da doutrina social da Igreja Católica e do marxismo. O partido sempre pregou a democracia participativa fortemente enraizada nos movimentos sociais de base.
Para dar vida à democracia participativa, as políticas públicas eram discutidas em conselhos e conferências nos quais participaram mais de 6 milhões de pessoas entre 2003-16. Nesses grupos estavam servidores públicos nomeados por influência do PT e representantes dos supostos beneficiários das políticas, dirigentes sindicais e de ONGs e empresários. As reuniões eram intermináveis e repletas de debates improdutivos.
Com frequência, as conclusões eram aprovadas por aclamação. É claro que a participação da base é salutar e democrática. Mas ela se torna danosa quando despida de argumentos técnicos ou quando quer tornar toda causa legítima em texto legal. Imaginem se a vida acadêmica seguisse só os desejos dos alunos. Ou se um conselho determinasse a criação de subsídios crescentes para a Petrobras.
Ao pautar os órgãos públicos, o assembleísmo retardava ou esterilizava as ações do governo. E mais. Toda vez que Lula não conseguia atender um pedido aprovado pelas bases, logo criava um novo órgão para discutir o assunto. O Brasil dos anos 2003-16 virou uma grande mesa de negociação na qual surgiam mais palpites do que propostas técnicas.
Foi um tempo de muita reunião e pouco resultado. Eu mesmo participei do Fórum Nacional do Trabalho, que se arrastou de 2003 a 2005, sem nenhum resultado prático.
O assembleísmo cria a sensação de democracia quando na realidade é o ápice do imobilismo. O assembleísmo é dispendioso. O governo do PT sempre pagou as despesas de viagem, estadia, alimentação, etc. da maioria dos participantes, o que fazia aumentar o seu interesse para integrar conselhos e conferências. Muitos participantes acabavam sendo nomeados para cargos públicos. O PT se notabilizou pelo empreguismo e pela gastança de verbas públicas.
O oposto do assembleísmo é o dirigismo autoritário, igualmente nefasto para a administração pública e para a economia. Seria um erro cair nessa armadilha. Assim como será um erro voltar ao assembleísmo descontrolado no governo Lula III. Os primeiros sinais são preocupantes. Lula quer criar mais de 30 ministérios. A sua equipe de transição tem mais de 300 participantes. Ele prometeu recriar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e vários dos seus filhotes para os assuntos da educação, saúde, vida urbana, reforma agrária, povos originários e outros.
No campo do trabalho, pretende que assuntos complexos como ajustes na CLT e a reforma sindical sejam discutidos em mesas de negociação tripartites nas quais os representantes do governo coincidem com os representantes dos trabalhadores num placar de 2 x 1 como ocorreu no passado. Adeus, tripartismo.
Modestamente, penso que Lula tem pela frente dois caminhos. No primeiro ele poderá reduzir e controlar o assembleísmo nefasto para realizar um bom governo e deixar o seu nome gravado na história de forma diferente do que ocorreu nos últimos anos.
No segundo caminho, ele poderá manter o assembleísmo para alimentar a militância e os movimentos de base do PT e dos partidos coligados. Os eventuais fracassos seriam novamente atribuídos às “elites”, na tentativa de levar adiante o antigo projeto de poder do PT.
Torço, sinceramente, pelo primeiro caminho. O povo sofrido precisa de ações consequentes e não de festivais pirotécnicos.